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eternuridade
Eternuridade, s.f. (do lat. aeternitate por aglutinação com do lat. ternu). Qualidade efémera do que é terno. O que há de eterno no transitório. Afecto muito longo; tristeza suave e demorada. textos e fotos: gouveiamonteiro(at)gmail(dot)com LIGAÇÕES
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13 de setembro de 2003
O navio (II)

"Estes belos e grandes navios, imperceptivelmente balouçados (bamboleados) sobre as àguas calmas, estes robustos navios, com aspecto ocioso e nostálgico, não nos parecem perguntar.
- Quando partimos para a felicidade?"
"Algures no final da Idade Média, esquecendo as doutrinas de Aristóteles sobre a exclusividade do facto de o motor imóvel estar voltado para si próprio também se fez fé num Deus espectador do mundo. Como se Ele tivesse interrompido a sua eternidade só para isso, tendo-se todas as criaturas tornado larvas e máscaras" - os tamagotchis d'Ele - "num jogo do divino que as deixou crescer um pouco."
Bem se sabe que é mentira! Deus não tem vontade nem ver. A vida interna de um espirito não admite a existência de um Espectador Soberano, apenas de visitas ocasionais e longínquas. A ideia de que a parte de dentro de um homem pode ser vista de cima e julgada é a armadilha panóptica das religiões que assim sustentam a sua própria omnipotência. Foi assim que se fundou o desastre da vigilância absoluta. Não havendo deus somos abandonados às forças, às nossas e às dos outros. Podia ser bem pior.
Mas então com que pode contar um homem, já pálido, no meio de um naufrágio, longe de todos os cálculos? Ao princípio hesita-se. Experimenta-se a perplexidade, substância cinzenta que resulta da mistura de tudo o que está no mundo. A perplexidade é o único processo químico capaz de tornar inesgotáveis pedaços de tempo e de espaço.
A perplexidade antecipa o algoritmo do mundo, a explicação órfica da terra. Percebendo num vislumbre que há instantes simples que quase revelam tudo, o náufrago desenvolve uma esperança. Mas a verdade foge sempre. E é exacatamente essa a estaca em que os melhores homens se aguentam vivos. São os que sabendo da morte decidem viver por acreditar no lance definitivo que tudo salve. A partir do momento em que se aceita a única e fatal certeza embarca-se numa aventura que implica não chamar as coisas pelos nomes para não as assustar.
E o náufrago berra: azul escuro, ainda existo. Do lado de lá é tudo negro e silêncio. O simulacro que venderam ao desgraçado, o canto que lhe fizeram dos supra-mecanismos do mundo, não demonstra agora capacidade de resposta para os obstáculos da realidade física.
"Desde Laplace que o molecularismo estava na expectativa de que a micro-estrutura da matéria se iria revelar como repetição da macro-estrutura do universo. Era a suposição económica de que o sistema solar representava o princípio arquitectónico mais simples de todos os sistemas físicos. Deste modo, a aplicação de um processo idêntico no sub-mundo do definitivamente invisível parecia ser a realização de um princípio cósmico único. Tão naturalmente como a natureza seria a natural metáfora de tudo."Como se o entendimento que temos do invisivilmente pequeno nos pudesse, por projecção, esclarecer sobre o infinitamente grande.

"Por último, há que recordar historicamente a metáfora do fluxo do tempo que encontrou em Francis Bacon a sua aplicação destrutiva contra a assumpção de que a verdade seria filha do Tempo. Ora o tempo deixa que a corrente traga à nossa margem apenas aquilo que foi suficientemente leve para não se afundar no rio. É a evidência metafórica da tradição perante a carga da verdade."
Como eu gostaria de ver acontecer um grande naufrágio que lançasse para aí, ao pé de nós, um bom número de pessoas, porque então nós poderiamos contemplar à vontade as suas figuras extraordinárias. Não há nenhuma razão para que a inteligência não possa estar mais bem representada noutros sítios do que na Terra. Podia até ser que esses deuses extraterrestres fossem suficientemente hábeis para navegar até à superfície exterior do nosso ar e daí contemplar-nos por curiosidade ou pescar-nos como peixes... Porque eu só quero ter o prazer de ver aqueles que nos pescam. "
O barco possível é o que se constroi já a caminho. É a pequena ou grande estrutura que, na vida como no mar, se pode destruir de um dia para o outro para logo a seguir se reinventar dotada de virtudes excepcionais.
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